segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Chá



Todos as manhãs o caos das idéias que surgem no nascimento de um novo dia lhe inundavam a mente. Como sempre estava confusa. Entretanto Flávia sabia que novamente devia silenciar sua mente. Uma mente calada não sofre. Sua  rotina estava pronta: Acordar, comer, estudar, trabalhar ver o Paulo e voltar pra casa. O único ponto de alívio era o Scott uma vira-lata que tinha adotado mês passado.
Faltavam seis meses para que sua vida acabasse e começasse uma nova vida, afinal a vida é um conjuntos de vidas, ou semi-vidas como queiram.

Estar viva já era uma dor avassaladora, mas que ela só sentia ao despertar. Ontem depois que viu Paulo e no caminho para casa desejou inutilmente ser outra pessoa. Talvés amanhã ao invés de tomar café tomasse chá, isso seria o começo. Paulo estudava medicina e eles namoravam há 2 anos, mas silenciosamente Flávia sabia que estavam juntos apenas porque quem eles queriam não os quiseram e a dor os uniu, afinal sofrimento partilhado é sempre mais leve.

O chá estava um pouco amargo. A sua boca amargava, ela detestava essa situação. Correu para o banheiro. Iria se atrasar como todos os dias. Em frente ao espelho não se reconheceu, o espelho sempre a maltratava. Eu não sou essa pessoa com olhos de peixe morto. Quem sou eu? Decidiu que no fim do dia iria ligar para a mãe e pedir um novo espelho aquele estava com defeito.

Enfim pegou a  bolsa e saiu apressada, ao se lembrar de Tomás , lembrou-se também de passar batom. Eles estavam envolvidos num flerte. Tomás estudava Administração assim como Flávia, eles tinham namorados, mas só se lembravam deles depois do trabalho. A Rotina era sempre igual.

No intervalo risos, conversas inúteis. Vocês já viram o novo clipe da Lady Gaga? Ela sim sabe tratar os homens. Todos riem novamente. Quem sou eu? - A pergunta ecoa na cabeça de Flávia e lhe causa um leve enjôou. Pensar nela adoecia. Ela era doente.

Saiu um pouco e foi sentar-se num banco , respirar próximo aos outros era tão difícil. As vezes achava que os olhos dos desconhecidos lhe acusavam de roubar o oxigênio, ela era culpada por tentar existir, que ousadia! Um Rapaz passou. O Rapaz que sempre olhava para ela quando sentava naquele banco. Eles nunca conversaram, talvés falta de assunto. Ela não sabia ao certo. Eles tinham medo de se aproximar e passaram dias naquela dança frenética, parecendo dois animais vadios, que se atraiam e causavam repulsa ao mesmo tempo.

Tudo isso não passava do intervalo. Porque ele me olha tanto? O olhar é diferente, um olhar desarmado. Ela também tem medo. Porque não  chega perto? Porque eu não chego perto?

E O Chá? O Chá era amargo, mas estava decidida a mudar apesar das amarguras. As vezes é necessário beber chá. Sentiu de leve o amargor do chá na boca e o enjôou da existência cessou. O Chá tinha lhe mudado, deu-lhe força de alguma forma que lhe permitisse apenas ser. Flávia levantou-se e caminhou em direção ao rapaz, os olhos dele estavam inquietos . Ele não entendia. Ela sim. Aproximou-se, respirou fundo e perguntou:

_ Quem é você?

E Ele respondeu apenas com um sorriso.



sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O Palhaço ( 19 de Julho de 2008)



A penumbra da noite envolvia o velho picadeiro. Pela fresta da lona entreaberta um poste solitário projetava sua luz sobre as bandeirolas coloridas e suas sombras entravam no palco numa dança lenta.
Na serragem estavam o que sobrou do espetáculo, alguns confetes deixados ali por algum palhaço desajeitado. Um pequeno pedaço de tule levado pelo vento rodopiava e levemente pairava sobre o chão antes de dar outro rodopio, tule este simples vindo de alguma loja de aviamentos baratos, parte da roupa da única bailarina do circo.
Nas arquibancadas de madeira já gasta pelo tempo, cheias de farpas, estavam jogadas aqui e ali algumas pipocas oriundas do lanche dos pequenos espectadores. E Eu ali sentado no meio do picadeiro.
Num banco qualquer, nas ultimas fileiras, há algumas horas atrás casais namoravam às escondidas. Eu via tudo. Era como se mesmo vazio, embaixo daquela lona ainda estivessem os aplausos, gritos, beijos, pipocas e algodões-doce. Melhor. Era como se à noite, todos os espetáculos se tornassem num só. Como se todos estivessem ali. Calados. Esperando. O salto do malabarista.
No Meio do picadeiro, sentado, estava um palhaço sozinho. Sua roupa toda colorida e cheia de babados. A peruca vermelha como se fosse faíscas de uma fogueira no auge de sua queima. A pele branca, pálida, fazia o palhaço menos humano, mais coisa. As sobrancelhas pretas, arqueadas, o sorriso falso, vermelho sangue. Sangue humano na coisa. De repente, uma lá
grima saltou dos olhos, correndo e lavando a pele branca. Um choro preso, abafado. Soluços. O palhaço chorava.